«Carta aberta» promove ingerência<br> na CGTP-IN

Américo Nunes

No dia 4 de Abril, a CGTP-IN realizou na sua sede, em Lisboa, uma sessão pública de apresentação das iniciativas que levará a cabo no âmbito das comemorações do centenário do nascimento de Álvaro Cunhal. Esta acção, decidida pelo seu Conselho Nacional, foi precedida por uma despudorada e sectária ingerência exterior visando impedir que a central sindical e o movimento sindical, que tanto devem ao combate do grande revolucionário, assinalassem condignamente os cem anos do seu nascimento

Cinco sociólogos das universidades de Lisboa, Coimbra e Braga, que em 2011 com outros foram subscritores de um manifesto designado «Por Uma Nova Agenda Sindical», onde se defende «um novo paradigma sindical», e a sua articulação com os designados novos movimentos sociais, também subscritores do «Congresso das Alternativas» e das suas propostas e iniciativas políticas, publicam (em Público de 2 de Abril) uma Carta à direcção da CGTP. Do alto da sua cátedra, invocam a condição de investigadores na área do trabalho para se ingerirem na vida interna da central, pretendendo dar-lhe lições de democracia, interpretação dos estatutos e quanto à forma de construção da unidade e das alianças sociais que deve estabelecer.

O pretexto esfarrapado para a douta prelecção foi a deliberação dos órgãos da CGTP-IN, em assinalar, com iniciativas próprias, o centenário de Álvaro Cunhal. Os subscritores da «carta aberta» até começam por considerar «indiscutivelmente merecidas» tais comemorações. Condenam porém, que a central possa promover eventos, porque, «como se tal condição fosse um anátema», «Álvaro Cunhal foi dirigente de um partido político e não da central sindical.»

Pode dar-se de barato que os subscritores da carta não tenham obrigação de ter conhecimento das inúmeras iniciativas, próprias e de outras instituições, em que a CGTP-IN participou institucionalmente e onde intervieram ou foram homenageadas personalidades de múltiplos quadrantes políticos e ideológicos, incluindo dirigentes de partidos, a começar pelo próprio Álvaro Cunhal, que com muitos outros participou nas comemorações do 25.º aniversário da CGTP-IN. Mas custa acreditar, que investigadores de «gabarito» na área do trabalho desconheçam o papel que Álvaro Cunhal teve, enquanto dirigente do PCP, na construção do movimento sindical unitário, na formação da Intersindical, e na defesa da unidade sindical. No entanto, omitem esse contributo fundamental, nas referências que fazem à justeza das comemorações. Se se trata de ignorância histórica ou de puro anticomunismo só os autores poderão esclarecer cabalmente.

Se outras razões não houvesse, e muitas outras se poderiam aduzir, para que os trabalhadores e os seus sindicatos assinalassem o centenário do político e revolucionário que foi Álvaro Cunhal, o lugar dos sindicatos e da luta dos trabalhadores na sua acção política e no seu pensamento e obra seriam mais que suficientes. Vejamos apenas uma pequeníssima amostra:

Após a dissolução dos sindicatos pelo fascismo em 1933, a auto dissolução do partido socialista, e verificada a ineficácia da tentativa de constituição de sindicatos clandestinos em oposição aos sindicatos corporativos ou nacionais, Álvaro Cunhal enquanto dirigente do único partido que resistiu na clandestinidade ao fascismo, contou-se entre aqueles que defenderam a ida dos militantes sindicais para dentro dos sindicatos fascistas, a fim de aí defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores.

É dele a autoria do relatório ao III congresso do PCP (1943) que consolida definitivamente essa orientação apontando a luta em três vectores: desmascarar as direcções fascistas e eleger direcções da confiança dos trabalhadores; desenvolvimento da luta reivindicativa; e adaptação de medidas orgânicas destinadas à concretização destas orientações.

Foi um momento de viragem radical no trabalho dos comunistas na frente laboral e sindical. A partir daqui foi iniciada a constituição de comissões de unidade ao nível de empresa, antecessoras das actuais CT, que assumiam em regra o papel reivindicativo e de negociação nas fábricas; comissões de praça ou de jorna, nos campos, e comissões sindicais viradas para a conquista da direcção dos sindicatos, comissões que, influenciadas pelas células clandestinas do PCP desenvolviam o que na altura se designava por «trabalho legal e ilegal.»

Para os sindicatos a orientação traçada no relatório era a seguinte:

«Propor verdadeiras listas de frente única e não listas compostas exclusivamente por comunistas.»

«Fazer pressão sobre as direcções dos sindicatos nacionais para que assumam as reivindicações exigidas pelas massas operárias.»

«Entrar em massa para os sindicatos nacionais e aconselharem os trabalhadores a entrarem, com a finalidade de transformarem estes em organismos defensores dos interesses de classe.»

«Eleger direcções de trabalhadores honestos que gozem da confiança da classe quaisquer que sejam as suas convicções políticas ou religiosas.»

E ainda, recorde-se e compare-se com o que aconteceu a seguir ao 25 de Abril, «encarar imediatamente após o derrube do fascismo, não a dissolução simples e pura dos sindicatos nacionais (...) mas a imediata eleição livre em cada sindicato nacional.»

Esta orientação levou à eleição de cerca de 50 direcções sindicais antifascistas em 1945. Foi reafirmada e actualizada, novamente em relatório da autoria de Álvaro Cunhal, no IV congresso do PCP, em 1946, onde se acrescentava: «As velhas centrais sindicais soçobraram durante estes longos anos de terror fascista. Isto indica-nos, camaradas, a necessidade de nos lançarmos audaciosamente ao trabalho, no sentido da edificação em Portugal de uma verdadeira central sindical.»

Estas orientações, que se tornaram numa constante do trabalho sindical dos comunistas, e de activistas de outros quadrantes ideológicos que os acompanharam, foram levadas à prática até ao 25 de Abril de 1974, permitiram eleger dirigentes da confiança dos trabalhadores, e criaram as condições para que a culminar um novo ciclo de conquista de direcções sindicais entre 1966 e 1970 se viesse a constituir a Intersindical, em 1 de Outubro deste último ano.

Central que veio a ter um papel de grande relevo no processo da revolução do 25 de Abril, desde logo com a convocação e organização do grandioso 1.º de Maio de 1974, que impulsionou a revolução por um caminho progressista e transformador.

É verdade que o papel de Álvaro Cunhal é indissociável do papel do PCP. Mas também é verdade que foi com Álvaro Cunhal como dirigente mais destacado deste partido que se desenvolveu todo este trabalho, que fez emergir com toda a sua pujança por ocasião do 25 de Abril, o movimento sindical unitário que hoje está consubstanciado na CGTP-IN.

Só por ignorância, anticomunismo, sectarismo ou má fé, se pode questionar a homenagem da CGTP-IN ao homem, à obra e ao pensamento de um dos seus construtores maiores, no plano político.

Mas as motivações desta contestação podem afinal não ser má fé, nem apenas anticomunismo e sectarismo. Se tivermos presente o conteúdo do manifesto da nova agenda sindical, subscrito por estes seus activistas e outros 20 sociólogos, pode deduzir-se com propriedade ao ler a carta que o que os seus autores pretendem é reactivar as sua concepções sindicais, colocando o movimento sindical, organizado e com uma história gloriosa de mais de 150 anos, no mesmo plano que os movimentos sociais inorgânicos. Neste texto, tocados por laivos de paternalismo, os sociólogos alteram a fórmula, e em vez da articulação numa plataforma – dizem: «com base na aliança entre grupos de cidadãos mais distantes do mundo sindical mas que podem vir a contribuir para a sua renovação e revigoramento, esta opção da CGTP (assinalar os cem anos de Álvaro Cunhal – que coisa perigosa para a vitalidade do sindicalismo!) constitui um passo atrás na dinâmica e revitalização do sindicalismo português.»

É aqui que está o «busílis» da carta. Os seus subscritores querem que a CGTP-IN deixe o seu sindicalismo de classe e se adapte ao sindicalismo deles, congeminado nos seus gabinetes de estudo, particularmente pelo Doutor Boaventura Sousa Santos desde os anos 90 do século passado. Um sindicalismo não dos trabalhadores assalariados em confronto directo com o capital, mas um sindicalismo que vise «civilizar o capitalismo selvagem». Um sindicalismo dos cidadãos. Um híbrido, espécie de organização social e de partido para todos independentemente da classe a que pertencem.

Se tivermos em conta que estes cinco sociólogos são elementos activos que com largas dezenas de outros pontificam no designado congresso das alternativas, onde se congeminam propostas políticas e se levam a cabo acções de pressão de fora para dentro, que visam levar direcções legítimas dos partidos, mesmo contra a sua vontade, a subscreverem os seus projectos políticos, poderemos facilmente concluir, como na adivinha popular: branco é galinha o põe!

Dando o benefício da dúvida de que os sociólogos em questão não querem apenas cavalgar a perigosa onda de anti-partidos, anti-políticos e de apoliticismo, e que estão mesmo à procura de soluções para os problemas e de formas de luta pelo poder político, seria mais ético que o fizessem ou dentro das organizações que acusam de fechamento e de outras «maleitas», no caso da CGTP-IN, nos sindicatos de que podem com toda a legitimidade ser activistas, se forem sindicalizados ou se vierem a sindicalizar-se. E nos partidos. A não ser que não encontrando no quadro actual organizações políticas e sociais capazes de servir as suas ideias e propostas políticas, e tendo chegado à conclusão de que tecer laudas aos movimentos espontâneos ou inorgânicos, sem projecto e sem direcção, não chega, se estejam a preparar para constituir o partido dos cidadãos, ou outro qualquer, a fim de chegarem ao almejado poder político.



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